Rumiko Takahashi Entrevista

A primeira pergunta que tenho é algo que provavelmente já foi muito perguntado a você, mas ao que você acha que se deve, o grande sucesso de seus trabalhos?

Takahashi: Eu não sei dizer o que realmente por qual razão eles fazem sucesso. Mas creio eu que talvez seja porque a narração e o estilo de desenho dos meus mangás sejam lineares e fáceis de serem entendidos, especialmente em gêneros como em Ranma ½. Acho que esse tipo de comédia é universal, então isso acaba transcendendo qualquer tipo de fronteiras, por isso eu acho que esta deva ser a verdadeira razão pela qual eles fazem tanto sucesso.

E sobre seus trabalhos mais "negros", como a série Mermaid e coisas do gênero?

Takahashi: Se são populares também?...

Bem, são populares, pelo menos pra mim. Me interesso por eles...

Takahashi: Isso eu não posso dizer... Eu não sei... (risos)

Ok, então vamos passar agora para questões mais específicas. Um monte de fãs seus e artigos sobre você focam muito no único e profundo uso da caracterização que você faz de suas personagens. Então eu procurei dar uma olhada neles e tentar observar o porque disso chamar a atenção das pessoas. Pra começar, você tem algum comentário sobre suas personagens?

Takahashi: No desenvolvimento da maioria das minhas séries, eu penso a partir do quadro básico de onde a história começará e, dentro deste quadro, eu imagino o personagem principal da história, o herói e a heroína. E então, vindo com as personagens coadjuvantes, faço com estes ajudem a empurrar para frente às duas personagens principais da história.

Você alguma vez já percebeu que essas personagens "coadjuvantes" se tornam tão interessantes e tão cheias de personalidade e vitalidade que eles acabam ofuscando o relacionamento central. 

A turma de Rumiko: Ranma, Lum , Godai  & Cia.Takahashi: Acontece... (risos)

Algum exemplo específico?

Takahashi: Ah, por exemplo, uma das personagens de Urusei Yatsura chamada Yunosuke. Hmmm... ela até devora os outros personagens (risos). Faz muitos fãs, eu acho.

Normalmente são as personagens principais que fazem isso? Já houve alguma situação em que uma personagem dramática tenha ofuscado a "storyline"* principal da história?

Takahashi: Como assim?

Ao invés de uma personagem cômica fazê-lo, seja uma personagem que esteja passando por uma experiência profunda, emocional ou algo assim.

Takahashi: Generalizando, eu não creio que tenha propositadamente criado uma personagem que tenha ofuscado o papel de outro. Mas existe uma situação em Maison Ikkoku, em que Mitaka e Godai amam Kyoko. Mitaka, entretanto, eventualmente se apaixona por Kyoko e acaba ficando com outra mulher. E durante toda essa seqüência, eu centrei muito em Mitaka no mangá. Os leitores tiveram uma grande resposta emocional a isso porque eles queriam ler mais sobre Kyoko e Godai ao invés de Mitaka. Eles reclamavam: "Porque você está escrevendo tanto sobre Mitaka? Porque você não se concentra mais na história principal?". Mas pessoalmente falando, eu não faço nada conscientemente que possa ofuscar outra personagem. No processo de narração, os leitores podem ter interpretado isso de maneira errônea.

Bem, sobre um personagem como Godai, com sua perseguição incessante à garota que ele ama. O que faz desta personagem ser tão simpatizante mesmo sendo uma personagem patética? O que você acha que torna Godai tão simpático?

Godai e Kyoko em "Maison Ikkoku:  "Godai  não é patético!!!"Takahashi: Por Deus! Que pergunta difícil! Eu nunca pensei em Godai como sendo uma personagem patética. Ele é um "ronin" (fracassado), que é basicamente um estudante de segundo grau, que falhou em passar no vestibular. Isto é muito comum no Japão. Então eu acho que a situação na qual ele se situa, é uma situação na qual todos os leitores de Maison Ikkoku já passaram pelo menos uma ou duas vezes na vida. Godai é a incorporação do adolescente típico tentando tomar seu lugar no mundo. Lógico, é uma história de comédia e amor, então algumas das situações são exageradas e deformadas, mas eu acho que ele nunca pode ser considerado uma personagem patética, mas sim como uma personagem que precisa de encorajamento e ajuda.

Como se aventurar por diversos gêneros permitiu a você tratar temas semelhantes de formas diferentes? Existem certos temas em que você tem abordado, através de gêneros diferentes, que você tem sido capaz de explorar de maneiras diferentes?

Takahashi: Você quer dizer, diversos temas em um título e então uma comédia ou...

Sim, partindo da idéia de que cada gênero tem seu vocabulário específico através do qual você expressa certas coisas de determinada maneira. Você encontrou isto em cada gênero. Você gira em volta de temas similares, como o amor abandonado ou coisas do tipo.

Takahashi: Não estou certa do que você quer dizer com isso. Porque a questão inteira é: se eu vejo temas similares em todos aqueles trabalhos?

Sim! Desculpe-me. Creio que essa é a questào. Você está usando temas similares e através de gêneros diferentes, você é capaz de chegar a conclusões diferentes sobre eles?

Takahashi: Eu nunca realmente havia pensado sobre isso. Eu apenas crio as histórias e elas podem ter similaridades, mas nada realmente consciente.

Bem, então qual o seu gênero preferido para trabalhar então?

Rumiko TakahashiTakahashi: Bem, eu acho que eu tenho que dizer que o gênero mais fácil para se desenhar é a comédia romântica, mas o gênero que me dá mais prazer é o horror porque eu não o faço tão freqüentemente.

Você vai explorar mais esse gênero a partir de agora?

Takahashi: Minha série atual, Inu Yasha, não é definitivamente uma comédia romântica. É a minha primeira vez fazendo séries longas sobre monstros e "não-monstros". Eu estou tendo uma ótima experiência e me divirto bastante com isso.

Você se considera mais uma roteirista ou uma artista visual?

Takahashi: Se eu tivesse que escolher entre um ou outro, seria definitivamente o roteiro.

Eu sei que você tem escrito muitas histórias curtas de mangás, mas você já pensou em produzir algo que não fosse baseado em imagens visuais?

Takahashi: Eu não penso em mim mesma como uma novelista. Eu sou uma artista de mangás e acho que a história é o elemento mais importante em um mangá, mas esta história também tem de trabalhar com minha arte, então o que é mais importante para mim é uma história que possa ser contada visualmente e possa se relacionar com outras. Por isso não penso em fazer de outra maneira.

Entre suas inspirações, você mencionou Spiderman e Bewitched, coisas assim. Quais eras mitológicas e literárias você geralmente faz referência em seus trabalhos? Qual mídia não visual você utiliza inspiração para seu trabalho?

Takahashi: Eu acredito que esta seja uma resposta um pouco "batida", mas tudo me dá inspiração. Histórias bem velhas. Histórias que todas as crianças japonesas já escutaram. O folclore que todo mundo sempre ouve falar. E em títulos com em Urusei Yatsura, por exemplo, qualquer coisa encaixa, então eu tenho tantos meios de inspiração para este determinado título.

Que tipo de coisas os seus fãs ocidentais relatam com entusiasmo nas correspondências que você recebe?

Takahashi: (...) a maioria das cartas parecem dizer o quanto eles amam meu trabalho e o quanto eles se divertem ao ler meus mangás.

O que faz o estilo do mangá fazer, que o estilo dos quadrinhos americanos não faz? Ou vice-versa?

Inu Yasha:  o mais recente trabalho de TakahashiTakahashi:Originalmente, quando o mangá do Spiderman saiu no Japão, ele foi escrito por americanos e apenas ilustrado por artistas japoneses e eu não acho que toda a história funcione bem. Eu também tenho algumas cópias do Spiderman americano e eu não consigo ler nada dele, mas eu o observo página por página. Ele parece bastante leve e "brilhante", talvez até suave demais. Mas quando saiu a versão japonesa de Spiderman, ele se tornou muito mais escuro e sombrio e eu mesmo me vi realmente interessada por isto. Talvez isto quer dizer que os leitores de mangá japoneses, gostam de histórias sangrentas. (gargalhada). Sei lá.

Qual a diferença entre as histórias japonesas "leves" como Ranma ½ e as histórias "leves" americanas? Quais liberdades o mangá permite que o quadrinho americano tenda a restringir?

Takahashi: Bom, eu não posso realmente falar, desde que eu não sou completamente familiarizada com os quadrinhos americanos. Mas nos quadrinhos japoneses, no mangá, eu vejo que a maioria das personagens é adolescente, geralmente dos 10 aos 16 ou 17 anos, dificilmente muito mais velhos que isto na maioria dos casos. E eu penso que a maior parte dos leitores, sendo crianças, pode se identificar com personagens com estas idades. Enquanto que nos quadrinhos americanos, a maioria das personagens é adulta. Ou se eles não são adultos, eles são extremamente jovens, ou eles não são nem mesmo humanos. Então, eu não posso afirmar com certeza, mas acredito que seja esta uma das principais diferenças.


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